domingo, 30 de maio de 2010

Tiros no escuro II

Impulsos são tiros no escuro de quem já não consegue conter o que antes de poder ser explicado ou vivido já vence em forma de uma inquietude a transbordar.
Impulsos são surtos de algo acima do possível de controlar, como uma natureza interior a revelar.
Impulsos são a sinceridade em expressão falhada, espelhada num reflexo que não revela da melhor forma o que de mais único e espontâneo carregamos a sós...
Impulsos numa tentativa de libertar pesos que dos contornos inimagináveis que adquirem se tornam impossíveis de acartar, num desespero de quem já não encontra como se expressar.
Impulsos quando o impasse nos envolve na sua paranóia e nos impede de seguir em frente.
Impulsos quando o silêncio se torna insuportável, quando pouco já se sente ter a perder, ainda que assim não seja por completo.
Impulsos que ou nos trazem o tudo ou o nada...
Impulsos de um amor há muito platónico.
Porque tu és inteiro e eu sou desfeita!

(...)

E que olhares são esses afinal?!
São a expressão dos impulsos contidos na transparência do que para mim és...

sexta-feira, 28 de maio de 2010

Tiros no escuro...

Estou farta destas palavras inertes que escrevo, que já de si não se conseguem fazer ouvir, não têm força para chegar a ti, para te levar o que em mim há...
Procurei-te entre a multidão mas não poderei nunca te encontrar até tu de facto quereres ser encontrado...Corres, foges por entre o que tenho para te dar, mas isso não é apenas medo...
E a mim?! A mim não sei o que me faz acreditar independentemente de tudo o que de ti me afasta, será em vão? Procurar-te-ei numa multidão onde todos para ti existem numa realidade a ti possível mas da qual eu não faço parte?
Estou tão farta deste meu papel que não vê reciprocidade alguma. Sinto-me a viver paralelamente a ti e a uma esperança que não sei onde vou buscar, esperança que tu não tens para me dar. O que sou afinal quando me olhas abstraindo-te da multidão?
Cansei-me de tentar ser perfeita neste jogo arriscado onde a tua perfeição à muito se abateu sobre mim e onde ninguém mais a ti se iguala, mas no qual tu não me vez como tal. Eu sairei magoada, começo agora a aperceber-me de que este meu sonho nunca será uma tela de cinema no teu filme que não me deixas protagonizar.
Eu sei, sairei magoada. Eu sei o risco que comporta mas é a única forma de viver a vida na sua totalidade. Quem és tu afinal no meio da multidão? Que significado válido tem esse espaço temporal entre nós? Eu tento ser perfeita mas tu não me vês como tal...
Não quero mais saber, não tentarei mais alcançar a perfeição porque tu nunca a sentirás até me deixares chegar perto...Nunca disse "amo-te" a ninguém ! No meu silêncio perante o teu é o que te digo, de cada vez que nos meus olhos olhas, de cada vez que me sorris, de cada vez que no teu mais pequeno movimento eu o sinto...no meu silêncio. Porque o silêncio é a melhor resposta ou no teu caso o mais conveniente para quem nada tem a dizer!
E se realmente não consegues ignorar esses argumentos supérfluos que a nós se opõem, razões que utilizas para nos afastar, se de facto não vês nem queres ver para além disso, então talvez sejas igual a todos os que a ti na multidão se juntam, talvez não mereças o que estou disposta a dar, talvez nada de especial aja nesse olhar com que me olhas. E ainda me pergunto, que olhar é esse?

segunda-feira, 24 de maio de 2010

Conto II: Solos de Dança

Eram 4h da manhã. Ela acabara de chegar a casa, sentia-se indisposta por isso foi até à casa de banho e esforçou-se por vomitar mas nada se alterou, percebeu que essa má disposição que a incomodava não era algo que pudesse mudar com um simples vómito, revelava algo mais intrínseco...
Foi até ao quarto e abriu a janela na tentativa de sentir a leve brisa da noite, mas nem ai encontrou conforto. Enrolou um cigarro e ficou ali a observar o quadrado de vidas que pelas janelas aos poucos se soltavam. Àquela hora quase não existia realidade que os seus olhos pudessem observar portanto focou-se naquela estranha luz incessante que sempre vermelha piscava. Nunca chegara a saber que luz era aquela. Como era sinistra, pensava.
Compenetrada em toda uma envolvencia deu por si a pensar naquela tarde...

(...)

...em que uma cigana quase forçadamente lhe leu a mão e falou acerca de um moreno de olhos grandes.
Nunca gostara dessas coisas, não encontrava necessidade alguma na previsão do que quer que seja, ainda para mais sempre achou que era exactamente o facto de nos dizerem que determinada coisa irá acontecer que nos leva até ela. Todos temos vários futuros alternativos e um simples virar à esquerda em vez da direita pode determinar o dia e com ele uma vida e um desses futuros.
lembrava-se que depois desse dia e depois de tanto pensar no que lhe havia sido dito ainda teve vontade de lá voltar e perguntar se esse tal moreno de olhos grandes era ele. Esitou durante um tempo mas certo dia fartou-se e apanhou um autocarro...Estava nervosa, não tinha a certeza de querer de facto saber, receava o que lhe poderia ser dito e o impacto que isso poderia ter sobre si.Respirou fundo e enquanto isso ficou a ouvir a conversa das duas mulheres já de idade avançada, sentadas no banco de trás que até então apenas se tinham queixado e falado sobre doenças mas que agora falavam de um certo alguém seu conhecido, escutou.
-Ah está junto com uma mulher que tem idade para ser filha dele!
-Pois, vive com a juventude ao lado não envelhece!
E voltaram a falar de doenças.
Chegou. Saiu do autocarro e foi-se arrastando. Curiosamente apercebeu-se de que simplesmente não queria saber, não fazia sentido. Sorriu e pensou que de facto o silêncio da expectativa é bem melhor. Foi para casa. E nunca mais isso a perturbou...

(...)

Acabou o cigarro, sentia-se bem melhor. A luz continuava incessante.
Pensou nele, desejou que aquelas palavras envoltas no ritmo do Homem dos solos inconfundíveis tivessem sido escritas a pensar em si, mas o mais certo era esse pensamento não ter o menor fundamento. Não ficou triste, sabe que tudo na vida é uma construção. Não gostava da nudez óbvia, mas sim da sugestão do ornamento desconstruído. Não ficou triste, sabe que só aos poucos chegará a ele, porque não, ela não o queria só por uma noite. Passo a passo determinaria o seu dia e com ele uma vida e aquele futuro em que dançaria com o moreno de olhos grandes aquela dança que de tão envolvente reflectiria a construção do que agora é o silêncio tímido dos olhares de quem não sabe dançar!
Fechou a janela. Vestiu aquele vestido. Ai como gostava que ele a visse assim, com aquele vestido num adorno que sugeria a sua nudez, elegante, discreto e sublime.
Sorriu e ao som daquelas ritmos latinos dançou no seu movimento de ancas que a embalavam naquela envolvencia. Dançou solos de dança...dançou!

sexta-feira, 14 de maio de 2010

Autenticidade(?)

A propósito deste tema da autenticidade irei falar do livro “tradicional” por oposição a um novo conceito de livro, o livro electrónico – e-book.
Há uns tempos vi uma notícia, algures num telejornal, onde se falava acerca das fantásticas aplicabilidades desta nova forma de ler, que na minha opinião não tem nada de fantástico e muito menos de autentico.
Podemos incluir este e-book na categoria das novas tecnologias que caracterizam o Mundo de Hoje, e portanto a contemporaneidade.
Começarei por apresentar as características deste integrante das inovações tecnológicas com base na minha pesquisa on-line. Assim, este novo formato constitui, ao que dizem, “ uma biblioteca de bolso, é pequeno como um livro de bolso, permite transportar entre 1000 e 4000 livros, jornais, documentos de trabalho ou suportes áudio, lê vários formatos, oferece uma autonomia que permite ler até 7000pág. mesmo à luz do sol, sendo ainda possível marcar as suas páginas, ampliar o tamanho do texto, escolher utilizá-lo na vertical ou na horizontal e apresentar imagens. O seu sistema de apresentação à base de tinta electrónica oferece um grande conforto de leitura, comparável à de um livro”.
Comparável à de um livro? Será?
Será em torno desta questão que irei tecer o meu comentário, começando por perguntar até que ponto será legitimo comparar o livro electrónico ao “tradicional”?
Com isto, há que ter em conta que o conceito de autenticidade para além de ser, indubitavelmente um conceito inteiramente relativo é também, a meu ver, um conceito subjectivo, pois está em parte, e não querendo generalizar visto ser óbvio que existem traços que definem uma cultura e a tornam única e autêntica, dependente da opinião de cada individuo dentro da sociedade a que pertence.
Posto isto, o livro é indiscutivelmente algo tradicional, com existência prolongada, não só na nossa cultura, mas em muitas outras. Fazendo parte da História e sendo ele próprio história.
História de Homens que algures no tempo decidiram pegar em pedras que colhiam do chão e rabiscar uns hieróglifos nas cavernas e em outros locais propícios a tal. Que passados largos anos evoluíram, e voltaram a evoluir, e assim mais 4 ou 5 vezes (seguindo-me pelo que a história dita). Passaram por vários processos de moldagem até chegarem ao protótipo do ser humano actual. Durante todos estes anos, descobriram-se formas de fazer o dito papel, tendo como base de criação, as árvores. Começaram então a expressar-se através das folhas de papel e canetas, criando livros, livros esses que se começaram a comercializar.
A sua autenticidade reside, acima de tudo nos sentidos que desperta. Poder tocar num livro, folhear página a página e sentir a textura das folhas ao voltá-las, o cheiro característico de um livro guardado durante anos ou da tinta de um acabado de comprar, sentir que temos um poço de informação nas mãos, poder manuseá-lo à nossa inteira vontade, criar um elo de ligação com cada livro como se fizesse parte de nós e do nada que na subtileza das páginas se vai encaixando. Sensações que apenas o livro propriamente dito pode extrapolar, roubadas, mecanizadas com essa nova forma de ler.
O simples facto de ter os livros com suas capas ilustradas para pegar e esfolhear, para contemplar, coleccionar, sublinhar, para ler e reler, dispor em estantes ou espalhar pelo chão…não é isto de uma extrema autenticidade? Como poderei eu sequer imaginar todos os meus livros atabalhoados em letras dentro de um ecrã que nada me pode transmitir?
A nossa sociedade está perante mais uma transformação em comunicação literária, o novo paraíso das gerações vindouras, onde já não há sentimento pelas boas energias que a capa de um livro nos transmite.
O e-book ainda se encontra numa espécie de limbo, mas o que haverá de autentico nesta tentativa desenfreada de automatização traduzida em chips a colocar no cérebro do Mundo? O que haverá de essencial quando o que existe de verdadeiro for desnecessariamente transformado numa tentativa de acompanhar o frenesim dos tempos?
Eu que sou uma pessoa analógica num Mundo digital espero que se possa encontrar um equilíbrio entre extremos, espero que se mantenham os nossos preciosos livros palpáveis.
Mas de alguma forma verificar-se-á coexistência ou competição com o livro tradicional?

terça-feira, 4 de maio de 2010

Conto I: O Retrovisor

Depois daquele fim de semana inesperado, estava na hora de voltar a Lisboa, e com ela à realidade do dia a dia. Ele iria a conduzir. Ela sentou-se propositadamente no lado direito do banco de trás, gostava de sentir a possibilidade dos olhares de retrovisor.
No carro vinham também o irmão, à frente, e a prima dele, ao lado dela no banco de trás.
Ninguém se arriscou a falar, e com o silêncio e o bom tempo que se fazia sentir, alguns deixaram-se adormecer.
Ficou ele e ela.
Ninguém falou.
Ela estava sentada de uma forma enrolada sobre si, diria até desleixada, ou então apenas descontraída.Sentava-se assim sempre que se sentia, ou procurava sentir, confortável consigo.
Naquele dia estava apenas bem, envolvida em si e nos seus pensamentos, como tantas vezes, misturada com o vento que entrava pela janela aberta do carro em movimento que lhe refrescava o rosto e baralhava o cabelo. Gostava de sentir aquele vento entorpecido por um sol que lhe cegava os olhos que fechava por instantes, pequenos instantes.
Não disse nada, nem se preocupou em dizer. Qualquer palavra que lhe saísse seria apenas uma tentativa de cortar o silêncio, que na verdade não a incomodava, pelo contrário transmitia-lhe paz. Ficou, então, concentrada no silêncio da musica que ele ia escolhendo. De vez em quando sorria para si, estava a gostar do seu jogo mental em que interpretava as mensagens das músicas como vindas dele para ela. A conversa que o silêncio ia sussurrando.
Depois olhava para ele, tinha um rosto como nunca antes vira nenhum, se pudesse ficaria horas a contemplá-lo, pensava.
Mudava de posição quando se dava conta de si estagnada nas linhas da sua face, não queria ser demasiado óbvia. Mas era inevitável olhá-lo, afinal também não tinha oportunidade de o fazer muitas vezes...
Fez um esforço para se dispersar e baixou a cabeça que pousou sobre os joelhos das suas pernas dobradas. Ficou assim uns segundos, e quando se achou preparada ergueu a cabeça, mas ainda assim não resistiu em lançar um último olhar ao retrovisor, onde inesperada e surpreendentemente viu os olhos dele a espreitarem para si, pensa ela que na preocupação de ver se também ela estaria a dormir. Ele rapidamente direccionou o olhar para a estrada que se estendia à sua frente e colocou uns óculos de sol.
Ela gelou com aquele olhar, não sabia se haveria de ficar feliz ou confusa. Ficou confusamente feliz mas a sua expressão facial a partir de então tornou-se estranha e um pouco indecifrável.
Ainda o olhou de relance algumas vezes até Lisboa, mas não tinha agora como saber em que direcção apontavam os seus olhos. O que lhe percorria os pensamentos não tinha como saber...Ficou, então, a perguntar-se se estaria ele a olhá-la por de baixo daqueles óculos ou se a olharia como ela o tinha vindo a olhar ao longo do caminho. Queria que o seu rosto lhe parecesse tão perfeito como o dele lhe parecia a ela...Mas não tinha como saber, o silêncio não lho disse!
Voltou a sentir o vento que ainda teimava em lhe baralhar o cabelo, mas deixou-se ficar...
Pensava como aquele olhar tão óbvio da parte dele poderia ser o inicio de uma vida, de uma história dele e dela, apenas dele e dela. Ou de como aquele olhar poderia ser o inicio de um desassossego que a atormentaria pelas certezas que o silêncio nunca lhe revelaria...
Enfim, tudo na vida é um quase...um quase tudo!
Chegaram a Lisboa. Ele deixou-a em casa, naquela avenida iluminada pelo sol de fim de tarde e seguiu...seguiu para a realidade do seu dia a dia.